O que faz a Filosofia? Incansáveis vezes ouvi essa pergunta e outras tantas infindáveis horas dei explicações sobre ela. Seja em conversas de bar, seja dando aulas, enfrentar a pergunta é tão certo quanto a morte. Além de várias coisas que já escrevi aqui, em um post em especial fiz uma pequena análise do que faz a Filosofia a partir do que dela pensa o senso comum. Em suma, a Filosofia lida com problemas (filosóficos): identificando e/ou depurando e/ou explicitando e/ou resolvendo.
O que nos leva ao segundo nível ou à sequência lógica daquela primeira pergunta: A Filosofia resolve seus problemas – ou já resolveu algum? Num post de 2013, Bill Vallicella – no seu excelente blog Maverick Philosopher – escreveu sobre o assunto, apresentando 4 aproximações ou abordagens sobre a própria ideia de solução em Filosofia. Traduzo abaixo as suas alternativas:
A. Pluralismo: Soluções e dissoluções (de problemas) são relativos às teorias e pressuposições de fundo, de tal modo que existe uma pluralidade de soluções e não uma solução ou dissolução absoluta e definitiva por problema. Se tomarmos esse rumo, então muitos problemas foram resolvidos e dissolvidos. O problema dos universais, por exemplo, foi resolvido: de um modo por platônicos, de outra maneira por tomistas, de uma terceira forma por nominalistas e de um quarto modo pelos kantianos. Diferentes escolas de pensamento, soluções diferentes. É a mesma coisa com o problema do sentido da vida. Alguns resolvem-no de uma maneira, outros de outra forma e alguns rejeitam-no como um pseudo-problema.
Numa primeira abordagem, portanto, problemas filosóficos têm soluções, mas elas são relativas às teorias.
B. Dogmatismo: A segunda abordagem rejeita o relativismo da primeira ao afirmar que os problemas filosóficos têm soluções apenas se as soluções não são relativas às teorias, hipóteses de fundo ou escolas de pensamento, mas são, ao contrário, absolutas e definitivas. A segunda abordagem também afirma que alguns problemas foram definitivamente resolvidos, apesar da falta de consenso entre os praticantes competentes (competent practioners) quanto à possibilidade ou impossibilidade de soluções definitivas terem sido alcançadss. Assim, um tomista pode insistir que o tomismo resolveu definitivamente o problema dos universais, apesar do fato de que a solução tomista é rejeitada por muitos praticantes competentes.
Essa segunda aproximação inclui as seguintes alegações:
1. Há problemas perenes que são essencialmente invariáveis ou independentes de épocas ou de sistemas. Assim, há algo denominado “o problema dos universais”, que foi enfrentado por diferentes pensadores em diferentes lugares e épocas. Isso não é obvio, uma vez que alguém poderia argumentar que, por exemplo, o problema mente-corpo em Descartes é somente um componente de seu sistema e não é idêntico a nenhum problema referido por pensadores antes ou depois (isso sem dizer que o “problema mente-corpo”é um termo guarda-chuva que cobre inúmeros e distintos problemas, ainda que interrelacionados).
2. Alguns dos problemas perenes têm soluções (eles não são insolúveis para nós).
3. Apenas uma solução não-relativa conta como uma solução.
4. Alguns dos problemas foram, de fato, resolvidos.
5. A divergência dos praticantes competentes não é evidência de que uma tese assumida como solução não seja a solução. Desse modo, a divergência não é uma boa razão para nosso tomista dovidar que sua solução ao problema dos universais é a correta. Ele pode dizer aos opositores: “Nós solucionamos o problema e, se vocês discordam, então estão errados. Além do mais, a nossa solução é logicamente incompatível com a sua, donde segue-se que suas soluções estão todas erradas”.
C. Ceticismo: A terceira abordagem está de acordo com a segunda nos pontos (1) e (3), mas discorda nos restantes pontos. Assim, para a terceira abordagem, ainda há problemas perenes e esses são solúveis apenas se for absolutamente solúveis. Mas nenhum dos problemas clássicos centrais foram resolvidos e é razoável sustentar que eles são insolúveis para/por nós. (de fato, eles não foram resolvidos satisfatoriamente para todos os praticantes competentes e a melhor explicação para este fato é que eles são insolúveis para/por nós. Por que eles devem ser insolúveis para/por nós é uma outra questão). A divergência entre praticantes competentes é uma evidência muito boa de que uma solução reivindicada como tal, não é uma solução. Um praticante competente é aquele que é logicamente, astuto, a par de todos os fatos empíricos relevantes, bem como das teorias, conhece profundamente os problemas, as suas histórias, suas inter-relações com os problemas que os cercam, incluindo todos os argumentos e contra-argumentos relevantes, e exemplifica toda a gama de virtudes intelectuais; por exemplo, é intelectualmente honesto, um sincero buscador da verdade etc.
D. Otimismo: O Otimismo é o Dogmatismo, menos (4)’; a afirmação de que alguns problemas foram solucionados. O otimista aprecia a força do argumento cético, mas recusa-se a aceitar o fato do intratável desacordo filosófico como garantia para uma inferência acerca da insolubilidade dos problemas filosóficos (por nós). Ele guarda suas esperanças para a filosofia futura. Portanto, o otimista substitui (4) pela afirmação de que alguns problemas serão solucionados na plenitude dos tempos.
Aí estão as quatro posições e seus atributos. Voltaremos a elas, e à discussão, no próximo post.