Nicholas Rescher, editor executivo da American Philosophical Quarterly, escreve uma nota na mais recente edição do periódico, intitulada “Growing Pains“, na qual expõe o crescimento notável dos números relativos à atividade filosófica nos EUA nos últimos anos. Do mesmo modo que ressalta os benefícios de tal crescimento, Rescher aponta também alguns dos malefícios causados pela expansão:
But while all this is doubtless to the good, it has its negative side as well. For, perhaps inevitably, the growth in professionalism has been accompanied by a marked increase in specialization and division of labor. During this 1975–2005 period, the number of thematically specialized philosophical societies in America increased from around 50 to around 90. The discipline’s topical fragmentation has kept pace with publication, and thereby far outpaced its population growth.
The proliferation of academic philosophers has served to impede rather than promote the sharing of common interests. Ironically, when philosophers look for discussion partners for sharing their own concerns with colleagues, the fragmentation of an enlarged profession affords them fewer rather than more opportunities.
Esse tipo de dilatação tem sido visto também em terras brasileiras. Basta acompanhar o crescimento dos números referentes ao encontro da ANPOF e à academia brasileira, segundo a entrevista dada pelo presidente da gestão responsável pelo mais recente encontro da associação à Folha de S. Paulo:
– 2391 inscritos;
– 2150 trabalhos apresentados;
– 41 programas de graduação em Filosofia no Brasil.
No entanto, é o próprio Prof. Marcelo Carvalho quem manifesta preocupação similar àquela de Rescher:
Não temos qualidade compatível com essa quantidade.
Ora, tal desnível é evidente quando se acompanha meia-dúzia de sessões de comunicação. E o que fazer para que essa relação torne-se mais equilibrada?
O que falta à pesquisa acadêmica é o ethos bovino.
O post é ótimo por tematizar, desnaturalizar aquilo que apareceu como natural em muitas comunicações da Anpof: a mediocridade. Fragmentação é a palavra da vez: no Congresso são 28 partidos, na Universidade são as hiper-especializações. Para “compatibilizar” a quantidade de pesquisa com a qualidade de reflexão, trata-se de, dentre outras coisas, resgatar o básico, o fundamento: formação se faz com leitura. É preciso sentar na cadeira sem pressa (“não ter pressa” é uma expressão estridente ao ouvido moderno) e dedicar tempo para ler os autores, as fontes primárias. O professor auxilia na aquisiçaõ dos instrumentos de apropriação do conhecimento, até que o estudante consiga pesquisar por si próprio. Penso que a mediocridade acadêmica, no Brasil e no exterior ,é um reflexo da falta de leitura, aquela leitura feita com vagar e lentidão de que fala Kierkegaard no início da segunda parte de As obras de amor. A aceleração moderna atrapalha aquela leitura como arte (lesen als kunst) de que fala Nietzsche, “para a qual é imprescindível ser quase uma vaca, e não um ‘homem moderno’: o ruminar [das Wiederkäuen]”. A pesquisa acadêmica por vezes é medíocre por falta de leitura e ruminação. Menos pressa, menos papers, e mais ruminação/ re-mastigação.
Caro André,
Obrigado pela leitura e pelo comentário.
Concordo em gênero, número e grau. Apenas adiciono mais uma coisa, que pode também ser vista não como uma adição, mas como uma ampliação do que você fala. Penso que grande parte do problema da mediocridade na academia é o amadorismo vigente. Por amadorismo – ou falta de profissionalismo – eu entendo exatamente a postura que você aponta, mas também algumas outras atitudes que imperam na academia brasileira. As posições e relaçoes ainda são medidas e definidas por relações pessoais, de afinidade, ideologia ou amizade. Ainda se lê e se publica mediocremente porque, no fundo, sabe-se que, na maior parte das vezes, a mediocridade é benevolentemente aceita, se não louvada e apoiada. Ainda não olhamos, nós mesmos, para o trabalho intelectual com a seriedade e a gravidade – que lhe é devida.
Abraço.
Na obra ‘a arte de escrever’, de Schopenhauer, bem como na mais recente ‘Como ler livros’ de Mortimer Jerome Adler eu noto preocupações e considerações semelhantes às de vocês. Os autores estão constantemente reclamando do fato de que há muitos ‘acadêmicos’ que mal sabem ler. Cada um no seu século e porção geográfica. O que me faz pensar se esse não é um problema de ordem sociológica no que diz respeito às universidades.
Outros filósofos, dessa vez tupiniquins, que vivem a vociferar tal incompetência são Pondé e Olavo de Carvalho. O primeiro, no Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, observa que o estudante (e também os professores) de filosofia em nossas universidades, via de regra, são aqueles caras que não conseguiram passar em cursos mais badalados (engenharia, direito…) e acabaram caindo na área das humanas. Pra piorar empurram o curso com a barriga e, para conseguir um lugar entre os ‘pensadores’, submetem-se servilmente até angariarem um lugar nas pós – graduações que terão que fazer para granjear um salário mais dignos. Esses interesseiros acabam se tornando professores, escritores e afins. Acham-se verdadeiros filósofos. E assim ficam a tumultuar o cenário.
Olavo é quem mais trabalha esse servilismo para conseguir um lugar aí sol no cenário filosófico nacional. Mas não b me simpatizo com sua proposta de não fazer uma faculdade, de boicotar as universidades brasileiras. Acho que a via não é por aí.
Talvez a solução seria a do alemão supramencionado, a saber, a de haver mais rigidez para a publicação. Investir em órgãos de avaliação…
Enfim, são palpites de um interessado que está para começar a cursar filosofia e que tem muito se beneficiado com esse site.
*obs: se ficou meio bagunçado é porque estou escrevendo pelo celular… hehe
Prezado Lucio,
Obrigado pela leitura e pelos comentários.
De fato, os problemas que você aponta estão todos aí, presentes na ordem do dia. Como você deve notar pelos meus comentários, eu sou um entusiasta do rigor e do mérito. Mas creio que no Brasil temos acadêmicos – e aqui me refiro a todas as áreas – que leem pouco ou mal sabem escrever porque temos professores igualmente ineptos, assim como policiais, políticos, vendedores, médicos etc. O que quero dizer com isso é que no Brasil isso é endêmico. O grave é que a universidade deveria filtrar ou depurar a inépcia geral, mas por conta de vários outros fatores, por vezes ela a premia e exalta. Pra ser totalmente sincero com você, acho que alguma mudança tem de começar pelos indivíduos e, posteriormente, pequenos grupos. É você sendo rigoroso consigo mesmo e com seus pares. E esse pequeno grupo com os outros pequenos grupos adjacentes. Afora isso, não vejo muita luz.
Mais uma vez obrigado pela leitura e pelo comentário. Fico muito contente que, de alguma forma, o blog ajude você. Comente sempre.
Um abraço.
Parece-me uma boa sugestão, a qual, dentre outras que tenho visto no blog (principalmente aquelas a respeito dos que iniciarão seus estudos filosóficos).
Parabéns pelo seu trabalho! Estou, desde há pouco tempo, acompanhando. Só não participo muito devido às minhas minguadas competências… hehe
Esqueci-me de completar o primeiro período (ou esse celular maluco pode ter apagado… Huahua). Eu falava sobre sua sugestão é não terminei falando que vou acatar. É isso. Hehe
Abraços.
Caríssimo Lucio,
Mais uma vez, obrigado pela leitura e pelos elogios. É realmente uma alegria saber que as coisas que lanço por aqui estão sendo úteis a alguém. E não deixe de comentar quando quiser. Essa história de “minguadas competências” não cola aqui, não :)
Abraços.