Sobre Obrigatoriedade da Filosofia – I (convidado)

Retomando o assunto, publico abaixo o primeiro texto de um grande amigo, Francisco Razzo, que escreveu especialmente para nosso blog.

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Recentemente, no af? da discuss?o a respeito do projeto de lei que determina a obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia para o Ensino M?dio, lan?aram-me o seguinte desafio: “Ensinar filosofia ? imposs?vel e/ou ensinar a filosofar ser? improv?vel? E o que se esperar do ensino de filosofia?”. Num primeiro momento vou ficar apenas com a segunda pergunta.

Nunca escondi, apesar de ser meu ganha-p?o, o ceticismo em rela??o ? obrigatoriedade e, conseq?entemente, ? possibilidade efetiva de uma educa??o e genu?na forma??o filos?fica para o perfil de jovens que freq?entam e que comp?e o cen?rio da educa??o de base no Brasil, hoje. Nas v?rias discuss?es que travei sobre o assunto, poucas em compara??o ? hist?ria desse problema, j? me chamaram de tudo quanto ? nome: “reacion?rio” eu at? simpatizo! Mas sem d?vida, n?o posso negar, que “membro da elite conservadora” ? um dos elogios que eu mais gosto. Pra quem compreendeu filosoficamente, ainda que ? dist?ncia que ? o meu caso, o significado de elite conservadora sabe a gratid?o que ? receber tal elogio.

Pra responder essa impertinente pergunta precisaria dar n?o uma volta, mas um verdadeiro mergulho, em busca de fundamentos, em uma s?rie de quest?es a fim de analisar id?ias que sempre se escondem atr?s de um amontoado de outras id?ias, a ponto de n?o sabermos mais distinguir gato de lebre; porque ningu?m, intelectualmente honesto e comprometido com a Filosofia, responderia isso com f?rmulas feitas ou frases de efeito, a n?o ser o despreparo ? fruto da mera ingenuidade de aprendizagem e repert?rio ? ou a charlatanice ? essa sim perigosa porque moralmente degenerativa ? que d?o seus v?os sem asas e acreditam estar em mais uma aventura, n?o obstante, isso seja realmente um perigo, pra n?o dizer uma desorienta??o patol?gica cognitiva ou uma doen?a do esp?rito.

Frases feitas ou frases de efeito s?o frases pulverizadoras de realidade ou sentido, que tem como fun??o gram?tico-moral desarticular qualquer possibilidade de rela??o entre id?ia e real ou desarticular a possibilidade de apreens?o do real. Uma esp?cie de v?rus da linguagem e da possibilidade de compreens?o do real, conseq?entemente fundamentar ju?zos seguros que ampare, numa rela??o bem mais complexa, o agente moral; ao inv?s de dar condi??es elementares de interpreta??o, pelo contr?rio, as frases de efeito desestabilizam n?o s? o real, uma vez que for?a o real a se enquadar no seu esquema ou, em muitos casos, o despreza completamente; no entanto, essencialmente, se torna ela mesma manancial degenerativo de sentido.

Foi justamente numa dessas frases que se fundamentou a id?ia de obrigatoriedade da Filosofia e Sociologia no Ensino M?dio. O cat?logo das patologias ling??sticas do s?culo XX cresceu exponencialmente. Uma de suas p?rolas pedag?gicas atua endemicamente, a saber, “A educa??o ? a pr?tica da cidadania”. O estrago cognitivo por tr?s dessa express?o ? digno de um G?rgias e de um v?rus. Como todo bom v?rus sofre muta??o para invadir, tomar posse e parasitar em sistemas org?nicos; aqui constatamos nitidamente uma readapta??o, no caso num sistema sem?ntico e sem muitos problemas (por enquanto) poder?amos ler: “A filosofia como pr?tica da cidadania”. Se h? uma frase definitivamente de efeito em meio a nossa discuss?o ? essa! O problema justamente ? o “kit ideol?gico” re-constru?do e disseminado por ela.

Essa ? a outra fun??o das frases de efeito: como genu?nas pulverizadoras da condi??o de sentido e da possibilidade de compreens?o da realidade elas s? poderiam ser em ess?ncia um “kit ideol?gico”. Tr?s, camufladamente, na sua estrutura de desarticula??o ling??stica e moral a fun??o multiplicadora de ideologias. Antes de perguntarmos ent?o “Ensinar filosofia ? imposs?vel e/ou ensinar a filosofar ser? improv?vel? E o que se esperar do ensino de filosofia?” ? preciso examinar e diagnosticar o mais atentamente poss?vel se o que fundamenta essa condi??o de obrigatoriedade n?o ? sen?o a manifesta??o de uma sutil doen?a degenerativa da alma. Evidentemente que a pergunta ? leg?tima, a pergunta ? o principal instrumento do exame, o problema ? o diagn?stico. E o primeiro resultado da pergunta “E o que esperar do ensino da filosofia?” ? “O que esperar do ensino da filosofia ? filosofia aqui compreendida numa base pedag?gica e ideol?gica de educa??o como pr?tica da cidadania, que por sua vez deve ser compreendida como educa??o como pr?tica da liberdade, para o perfil de alunos do cen?rio atual do Ensino M?dio no Brasil?”.

Resumindo: ainda que a pergunta-desafio seja leg?tima, constatamos, mediante um exame cuidadoso, que ela no fundo permite a prolifera??o de frases de efeito que desarticulam o real e o genu?no sentido da educa??o e forma??o filos?fica. A difundida express?o “Filosofia como pr?tica da cidadania” constitui-se propriamente como frase de efeito que por sua dissemina outra frase de efeito, propriamente uma ideologia, famosa na forma??o da mentalidade pedag?gica brasileira, de que a “educa??o ? pr?tica da liberdade”. Na segunda parte analisarei o sentido ideol?gico dessa express?o.

Francisco Razzo

G. Ferreira

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