Ontem e hoje, há toda uma comoção, mais do que justificada, pelo recebimento da Medalha Fields – segundo consta, o maior prêmio dado a Matemáticos – pelo pesquisador brasileiro Artur Ávila. De fato, não resta dúvidas sobre a magnitude do prêmio, tampouco sobre como isso é uma conquista a celebrar. Contudo, essa deveria ser a ocasião para observar as condições de possibilidade de uma pesquisa de tamanho nível, bem como o percurso do pesquisador, a fim de reproduzi-lo mais e mais. Só que é aí que talvez os entusiastas de facebook se decepcionem um pouco. Vejamos o por quê:
Vamos dar uma olhada no currículo do Dr. Artur, disponibilizado em sua página pessoal. A começar, ele é doutor pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada – IMPA. Não é de hoje que eu comento sobre o instituto. É um dos raríssimos centros de excelência no Brasil (até a CAPES sabe disso. O IMPA é nota 7!). Quer saber como funciona? Leia a entrevista que Jacob Palis, um dos ex-diretores do IMPA, deu à Veja em 2011. Ali você vai descobrir que o IMPA só gesta sujeitos do porte de Artur – sim, porque ele não é o único pesquisador de ponta ali. Consulte a aba “Pessoas” na página do Instituto – porque trilha alguns caminhos que os nossos expertos em Educação abominam. Em primeiro lugar, como diz Palis:
É premente que se rompa na academia brasileira com o velho espírito napoleônico, segundo o qual a igualdade deve prevalecer sobre a meritocracia. Na China, não há problema que vizinhos de mesa ganhem salários diferentes.
(…)Há muito que aprender com os chineses, que levam hoje o conceito do mérito às últimas consequências. Para atrair de volta ao país os milhares de cérebros que seguiam carreiras em universidades americanas e europeias, o governo passou a lhes fazer propostas agressivas. Eles chegam a ganhar o dobro ou até o triplo que a média do restante do cientistas e trabalham em laboratórios de altíssimo nível.
Esta declaração então, faria @s herdeir@s de Paulo Freire (as arrobas são pra deixar el@s felizes com alguma coisa neste texto), bem como as psicopedagogas, chorarem sangue:
A experiência das melhores escolas, no Brasil e no exterior, mostra que uma boa aula pressupõe desafiar os estudantes o tempo todo. (…) Apenas num ambiente assim se abre o espaço necessário para a inventividade. O problema é que muita gente no Brasil ainda resiste a essas ideias. Dizem que os grandes desafios causam pressão sobre estudantes tão jovens e aguçam a competitividade. Mas por que se opor à competição no ambiente escolar? Não faz sentido.
Voltemos ao currículo do Dr. Artur. Ele tem 35 anos e 58 – cinquenta e oito! – artigos publicados como autor ou co-autor (sem contar os já aceitos para publicação). Desses, 100% estão em inglês. Não há absolutamente nenhum, nenhum, em português. Como é recorrente nos currículos dos demais pesquisadores do IMPA, as publicações são majoritária ou totalmente em inglês. Afinal, eles sabem que se se quiser entrar no debate internacional de alto nível, o uso da língua franca é essencial. Não porque ela é a mais bonita ou mais legal, mas porque é a língua da ciência hoje. Sem choro ufanista.
Mas há mais. Desde 1999, Artur fez 18 “short visits” em centros de pesquisa. Além do IMPA, Artur esteve debatendo com outros pesquisadores de ponta em Nova York, Califórnia, Toronto, Estocolmo, Paris, Pisa e em mais dois centros de pesquisa na Alemanha, sem falar nas 70 conferências internacionais nas quais apresentou resultados de suas pesquisas. Todo esse conjunto fez com que Artur, antes da Medalha Fields, fosse agraciado com outros 13 prêmios ao redor do mundo.
Portanto, é um dever moral e cívico alegrar-se pela conquista desse sujeito. Mas por que não reproduzir as condições de possibilidade e o universo intelectual a fim de gerarmos outros, em todas as áreas?