O status questionae da questão central do debate sobre Fé e Razão parece poder ser bem resumido pelo parágrafo abaixo, do professor Luiz López-Farjeat, de Princeton:
Contemporary discussions on epistemology have raised a relevant problematic in the field of what might be called the epistemology of religion. The problem lies in the field of doxology and it may have arisen in the following way: We have an epistemological responsibility to justify our beliefs; religious beliefs are inherently unjustifiable; therefore, it seems to be irresponsible to hold religious beliefs.
De certo modo, e com certas modificações, tanto o juízo de A. J. Ayer sobre o fato de asserções religiosas (e éticas) serem “senseless” quanto a crítica da epistemologia reformada, de A. Plantinga, ao que chamam de evidencialismo, se desenvolvem a partir deste mesmo núcleo. Desejo então simplesmente propor alguns pontos que penso serem fundamentais – ou ao menos relevantes - para tal discussão:
– Uma das condições necessárias atualmente para o debate é uma concordância, em maior ou menor grau, sobre o pressuposto de que há dois campos de significação (ou ao menos de pretensão de significação, para os críticos da validade epistemológica da fé) absolutamente heterogêneos. A tentativa de encontrar um ponto de tangência entre os dois domínios deve partir de sua distância.
– Para além da diferenciação, há hoje em dia uma implícita hierarquização referente aos dois termos, Razão e Crença. O primeiro tem uma precedência tal, que o ponto desejável de contato é a justificação segunda ante a primeira.
– Parece haver historicamente uma certa conformação quanto ao conceito de Razão que, por definição, baniu a possibilidade de conjunção. A Razão é tida como, a priori, impermeável pela Crença a não ser no caso de ser induzida a erro.
Assim:
– Não parece ser relevante que ambos os registros ou domínios ocorrem de fato num mesmo sujeito. Com isso quero apontar que, ao menos de fato, ambos os registros encontram-se unidos por um mesmo sujeito que os opera. É possível pensar na hipótese de uma resposta num discurso antropológico, em sentido filosófico.
– Para filósofos como Santo Tomás, a hierarquia das faculdades é invertida, por exemplo. Com isso quero dizer que a aparente obviedade da precedência da Razão se construiu sobre um fundo histórico bem determinado, com elementos como o êxito social das ciências naturais e justamente a crítica à religião a partir do Iluminismo.
– Tal processo de conformação histórica do conceito atual de Razão, influenciada maciçamente pelos cânones das ciências naturais, moldou uma concepção que se afastou do conceito clássico de lógos ou ratio. Uma reabertura do conceito é então fundamental para retomar a possibilidade de contato entre Razão e Crença religiosa. Talvez no sentido de diversas racionalidades para diversos objetos nos moldes aristotélicos: o objeto da razão teorética não é o mesmo da razão prática, o que implica numa modificação de método de investigação mas não em abandono da razão.
Caríssimo!
Fundamental esses elementos para um refinamento do debate sobre a relação entre fé e razão.
Infelizmente o que temos presenciado está num nível muitíssimo inferior a isso. Seu texto, pelo contrário, só contribui para elevarmos a qualidade do debate filosófico sério sobre tais assuntos.
Um Abraço