Entre os dias 22 e 26 de outubro, ocorreu na cidade de Curitiba, Paraná, o XV Encontro Nacional da ANPOF.
Abaixo, segue o resumo da minha comunicação, proferida na Sessão Temática Kierkegaard, no dia 25:
“Pós-Escrito” como “Problemas Lógicos”: Kierkegaard e a Questão Lógica no século XIX
Em uma das principais seções do Pós-escrito conclusivo não-científico às Migalhas Filosóficas, publicado em 1846 – e que foi por bastante tempo desenvolvido e trabalhado pelo autor sob o título provisório de “Problemas lógicos” (“Logiske Problemer”) –, S. Kierkegaard analisa em três partes a possibilidade de confecção de um sistema lógico. Para tanto, o filósofo dinamarquês estabelece três condições de possibilidade que dialogam diretamente com a concepção lógica de Hegel. Contudo, para além das interpretações mais comuns que extraem daí apenas as críticas ao Filósofo de Jena, deve-se ver nesta seção ao menos dois aspectos não apenas mais profundos, mas também fundamentais para a compreensão do pensamento kierkegaardiano e do lugar deste no universo dos problemas próprios à filosofia do século XIX, sobretudo nos quais aquele raramente ou nunca aparece. Por um lado, Kierkegaard aí recepciona e se posiciona acerca da chamada “Questão lógica” (Logische Frage) – expressão cunhada por F. A. Trendelenburg, a cujas obras Kierkegaard dedicara cuidadoso estudo –, de importância capital para todo o desenvolvimento da lógica e da epistemologia na segunda metade do século XIX. Como se sabe, as consequências da “Questão Lógica”, que se inicia quase simultaneamente ao falecimento de Hegel, foram decisivas para Brentano, Frege e Husserl. Na terceira das condições expostas no “Pós-escrito”, Kierkegaard apresenta o problema da relação entre o sujeito empírico-existente e o sujeito puro/transcendental que, seguindo o viés da lógica transcendental kantiana radicalizado na lógica objetiva hegeliana, operaria a lógica. Como aponta Kierkegaard, se se deseja erigir um sistema lógico, deve-se considerar “o estado anímico daquele que pensa o lógico”. Em última instância, “de que modo o sujeito empírico se relaciona com o puro eu-eu”. Com isso, Kierkegaard não apenas recepciona o problema apontado acima, como procura inserir as considerações das determinações existenciais no domínio das operações epistêmicas. Assim, não se pode ignorar que Kierkegaard estava ciente do estado das questões filosóficas próprias de seu tempo, bem como tais questões desempenham um papel importante em seu projeto filosófico que não despreza as consequências epistemológicas – bem como as éticas e religiosas – de sua radicalização do estatuto existencial do Homem. Neste trabalho pretendemos então analisar alguns momentos da supracitada seção do Pós-escrito a fim de 1) explicitar as posições de Kierkegaard no que diz respeito à sua recepção da Questão Lógica e 2) investigar a tese kierkegaardiana de que o estatuto existencial do sujeito deve ser considerado na lógica e na epistemologia, com especial acento na relação de tais posicionamentos com as teses mais gerais do “Pós-escrito”.