Talvez não haja início mais certeiro para uma antropologia filosófica – ou seja, para um discurso racional que tenha como objeto a questão “O que é o homem (anthropos)?” – do que uma das fórmulas possíveis para a celebração da Imposição das Cinzas, na quarta-feira que abre o tempo da Quaresma: Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar.
Por vezes ouvimos ecoar, mesmo na história da filosofia, que o Cristianismo é um platonismo para os fracos, para os doentes. Há aí uma certa dose de acerto; não no que diz respeito à resolução das aporias epistemológicas pela postulação de essências que a priori possibilitariam a dissolução da dóxa que vaga incerta mas, certamente, no apex, na ponta fina da constatação de que a fraqueza, a doença e a disfunção compõem o estado a partir do qual a história humana se desenvolve. Ou não são justamente os doentes que necessitam de médico (cf. Mt. 9, 12)? Só quem foge do enfrentamento de tal status, seja pela publicidade falsamente emancipatória da auto-ajuda ou da felicidade que se compra, seja pelo sorriso idiota de um humanismo estrito, é que não se dá conta do vazio como condição primeira. Frente a isso, fica difícil tolerar o discurso que afirma a Igreja como utópica ou abstrata; ao contrário, ela exibe a realidade em seu núcleo mais duro.
E não somente a fórmula da imposição das cinzas, mas os próprios exercícios quaresmais reforçam a vacuidade e a fraqueza. O jejum, a esmola e a oração perfazem a escola do vazio em todas as suas disciplinas. O esvaziamento fisiológico que enfrenta a necessidade corporal de um estômago indiferente à qualquer metafísica não nos colocam imediatamente frente à fraqueza e dependência ridículas que nos amarram ao animalesco? A prodigalidade com o dinheiro, proposta como exercício, não é também outra coisa do que abrir mão do combate cotidiano com o futuro contingente, contra o qual tentamos lutar com o parco instrumental da provisão e da poupança. Por último, a oração é o selo da humildade ontológica tão bem refletida por Santo Agostinho em sua Carta a Proba, na qual nos lembra que o exercício da oração não serve para alertar a Deus sobre nossas necessidades – todas elas imediatamente conhecidas por Ele – mas para que nós nos lembremos de nossa dependência absoluta. Todas as expressões do Vazio – de sentido, de recursos, de alimento e de ser – são antecipações da experiência de finitude que não pode ser ignorada em seu posto de signo urgente. O sinal das cinzas na fronte é o índice de nossa propria dissolução que insistimos em negar obstinadamente a cada propaganda de uma “conquista” ou “evolução” humana.
Assim, como se pode ver, para responder com honestidade a questão antropológica, o Vazio deve figurar como categoria fundamental, junto com seus pares: Insuficiência, Absurdo, Páthos, Finitude e Intermediariedade. É a experiência sistemática do Esvaziamento que recorda a condição de exílio e de carência (ontológica) que não só é o cerne da nossa pergunta por nós mesmos mas da condição de possibilidade de toda pergunta e toda demanda possível por sentido.
E ae!
“seja pelo sorriso idiota de um humanismo estrito” Se vivo, e filósofo, meu tio teria dito esta frase, mas como não era filosofo, dizia “A ignorância é feliz!”, ao que questiono, sabe o ignorante o que é a felicidade? Como ser plenamente feliz sem Deus? Bom é isso ai, continuo não entendendo nada!!! Quero ir para o BBB 11!!!!
Um abração!