“Há uma concepção da vida segundo a qual onde está a multidão, está também a verdade; a verdade está na necessidade de ter por ela a multidão. Mas há ainda outra; para ela, por toda a parte onde se encontre a multidão, também lá se encontra a a mentira, de tal modo que – para levar, por um instante, a questão ao extremo – se todos os Indivíduos determinassem, cada um separadamente e em silêncio, a verdade, não obstante, se se reunissem em multidão (que assumiria então um significado decisivo qualquer, pelo voto, pela algazarra, pelo falar), imediatamente se teria a mentira. Porque ‘a multidão’ é a mentira.
(…) Onde, pois, existe a multidão, onde ela adquire uma importância decisiva, aí não se trabalha, não se vive, não se tende para o fim supremo, mas unicamente para este ou aquele fim terreno; porque, para o eterno – o decisivo –, só pode haver trabalho onde se encontre um único homem; e tornar-se este único, que todos podem ser, é querer aceitar a ajuda de Deus –‘a multidão’ é a mentira.
(…) Considera tu o mais sublime dos exemplos, imagina Cristo – e toda a humanidade, todos os homens nascidos e por nascer; supõe ainda que a situação é a do Indivíduo só com Cristo num meio solitário, avançando para ele e cuspindo-lhe no rosto; nunca nasceu nem nascerá o homem que tenha essa coragem ou essa impudência; e esta atitude é a verdade. Mas, quando estiveram em multidão, tiveram essa coragem – terrível mentira!
(…) Porque não é necessária uma grande arte para ganhar a multidão; basta um pouco de talento, uma certa dose de mentira e algum conhecimento das paixões humanas. Mas nenhum testemunho da Verdade – e cada um de nós, tu e eu, deveríamos sê-lo – deve misturar a sua voz com a da multidão.”
KIERKEGAARD, S. Sobre a dedicatória ‘ao indivíduo’ IN: KIERKEGAARD, S. Ponto de vista explicativo da minha obra de escritor.
Caro Gabriel,
Você devia ter colocado o vídeo que originou o post, como exemplo prático; mas compreendo que talvez seja rebaixar o nível do blog.
O texto de Kierkegaard significa que estamos condenados a não nos entendermos nunca sobre bases verdadeiras? Que, simplesmente por vivermos numa comunidade, estamos ferrados? Porque, de que forma pode o indivíduo levar a Verdade para a comunidade? E quando essa Verdade se tornar coletiva ela deixará de ser Verdade? Ou o “Sr. K”, como você o chama, está apenas fazendo uma crítica à sociedade de sua época?
Mas ele escreve bem, também, não? ;o)
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