“Mas o que é a verdade, e em que sentido Cristo era a verdade? A primeira questão, como bem se sabe, foi proferida por Pilatos, e a outra questão é se ele realmente se importava em ter sua questão respondida; em todo caso, em um sentido sua questão era completamente apropriada e, em outro sentido, era tão inapropriada quanto possível. Pilatos faz ao Cristo a pergunta: o que é a verdade? Mas Cristo era de fato a verdade; contudo a questão era inteiramente apropriada. Sim, e ainda em outro sentido, não. Que isto possa ocorrer a Pilatos naquele momento para que ele questione o Cristo desta forma demonstra precisamente que ele não tinha olhos para a verdade. A vida de Cristo foi, de fato, a verdade e, contudo, o Cristo mesmo diz (quando explica mais explicitamente as palavras: Meu reino não é deste mundo; se meu reino fosse deste mundo, meus servos teriam lutado por ele e então eu não teria sido entregue aos judeus): por isso Eu nasci, e por isso eu vim ao mundo, para que eu dê testemunho da verdade. A vida de Cristo sobre a terra, cada momento de sua vida, foi a verdade. Qual é, então, a confusão fundamental na pergunta de Pilatos? Ela consiste nisto, que possa ocorrer a ele questionar Cristo neste sentido; pois ao questionar Cristo deste modo ele informa atualmente, contra si próprio, ele faz a auto-revelação de que a vida de Cristo não explicou a ele o que a verdade é – mas como pode então o Cristo iluminar Pilatos com palavras sobre isto quando aquilo que é a verdade, a vida de Cristo, não abriu os olhos de Pilatos para o que a verdade é! É como se Pilatos tivesse uma mente questionadora, ensinável, mas seguramente sua questão é tão tola quanto possível; o problema não é que ele pergunte “O que é a verdade?”, mas que ele questione Cristo sobre isso; Ele cuja vida é expressamente a verdade e quem, no entanto, a cada momento de sua vida demonstrou o que é a verdade com mais força do que todas as prolixas lições dos pensadores mais aguçados. Há, entretanto, algum sentido em perguntar a qualquer outra pessoa, um pensador, um professor de ciências etc., “O que é a verdade?”; de fato, não faz diferença quem; qualquer outra pessoa, um empregado, um carteiro etc., mas questionar o Cristo, que está corporeamente diante de alguém, perguntar ao Cristo sobre isto é a maior confusão possível. Se Cristo fosse responder a esta questão, ele iria por um momento imaginar, falsamente, que ele não era a verdade. Nenhum ser humano, com exceção de Cristo, é a verdade. Em relação a qualquer outra pessoa, a verdade é algo infinitamente superior a seu ser e, portanto, é natural perguntar: O que é a verdade? e responder a esta questão. Obviamente Pilatos é da opinião que Cristo é um homem como qualquer outro e, portanto, por sua questão ele falsamente faz dele o que qualquer um deseja, um tipo de pensador e, presumivelmente, na capacidade de um homem altamente distinto que basicamente olha o pensamento como não pertencente nem a aqui nem a lá mas com condescendência e por curiosidade encontra algum prazer em tratar com este homem por um momento – neste sentido Pilatos pergunta a Cristo: O que é a verdade? E Cristo é a verdade! Pobre Pilatos! Seu piedoso comentário acerca do crucificado tem sido preservado, “Veja que homem”. Mas com respeito a isto sua questão tem certamente razão em dizer de você: Veja que tolo, pois mesmo que você não possa ver desta forma, sua questão é incondicionalmente a mais tola e a mais confusa questão já feita no mundo. A questão é tão estúpida, tão exatamente estúpida, como se alguém perguntasse a um homem com quem ele estivesse conversando pessoalmente, “Deixe-me lhe perguntar uma coisa, você existe?” – porque Cristo é a verdade. E o que deveria aquele homem responder, de fato? “Se alguém com quem estou pessoalmente e conversando não está certo de que eu existo, então minhas garantias não podem ter nenhum valor, uma vez que, em suma, minhas garantias são certamente algo de muito inferior à minha existência”. Assim também com Cristo em relação a Pilatos. Cristo é a verdade. “Se minha vida,” poderia ele dizer, “não pode abrir seus olhos para o que é a verdade, então dizer-lhe é, para mim, absolutamente impossível. A este respeito, eu sou diferente de todos os outros seres humanos. O que qualquer outra pessoa pode responder à questão ‘O que é a verdade?’ é, de fato, nunca inteiramente verdade, mas eu sou o único homem que não pode responder a esta questão, posto que eu sou a verdade”. (…)
E, portanto, entendido cristãmente, a verdade é obviamente não conhecer a verdade, mas ser a verdade.”
KIERKEGAARD, S. A. Exercício de Cristianismo
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Belíssimo texto.
Grande abraço, Filósofo.
Obrigado pela reflexão. Eu gostei muito desse texto. Espero, no tempo de minha vida, aprender a reconhecer e a amar a Verdade, especialmente nos momentos em que ela não for exatamente o que o meu amor-próprio desejaria que fosse!
Texto bem interessante! Bem pensado!