Léo Freuler, em seu excelente livro sobre o qual já fiz alguns breves comentários, reforça o flerte, ou melhor, o parentesco de Nietzsche com o universo de problemas que deram origem ao Neo-Kantismo. Indo mais além, encontrei o livro de R. K. Hill, Nietzsche’s Critiques: The Kantian Foundations of his Thought (Oxford University Press, 2003) que desenvolve exatamente a tese de que Nietzsche era um Neokantiano praticamente em sentido estrito. Ainda assim, pode ser um tanto surpreendente ler este fragmento de uma carta de Nietzsche a Muschake, de 1866. Cito Hill (pp. 6-7, negrito meu):
Near the beginning of his career, in a letter dated November 1866, Nietzsche wrote to Herman Mushacke: ‘The most meaningful philosophical work which has appeared in the past ten years is undoubtedly Lange’s History of Materialism, about which I could write a ream of panegyrics. Kant, Schopenhauer, and this book of Lange’s—I don’t need anything else’ (KGBi.2.184). These, then, were his three philosophical inspirations at the most formative stage (1865–72) of his development: Kant, Schopenhauer, and Friedrich Lange (the early Neo-Kantian mentor of Herman Cohen). One might distinguish, then, between Kantian with a capital ‘K’ (i.e. influenced by and preoccupied with Kant’s texts) and kantian with a lowercase ‘k’ (e.g. interest in broadly constructivist themes in metaphysics and ethics). My claim is that Nietzsche’s thought is broadly Kantian in the former, and not merely the latter, sense.
PS: Pra não falar das leituras que Nietzsche fez de Trendelenburg…
Olá, por favor, consulte a Tese de Doutorado de Rogério Lopes, defendida em 2008 na UFMG. creio estar disponível no sitio do PPGFIl/UFMG. Ela é absolutamente clara quanto à relação de Nietzsche com o neo-kantismo, via Friedrich Albert Lang.
Ei… A gente pede, uma explicação clara e recomendam a leitura de uma tese? Qualquer coisa de filosofia que eu domine é passível de fornecimento de linhas gerias, de minha parte, se me perguntarem…
Gabriel, pode precisar em poucas linhas o que faz Nietzsche ser um neokantiano? Basta ler Nietzsche e seu quase deboche de Kant, para termos opinião diferente. Nietzsche, em sua apologia do mundo-evidente, sua caracterização do mundo além das aparências como decadência, ainda dizendo que cristianismo é platonismo para os pobres, se encontraria com Kant na medida em que este afirma a icognoscibilidade das coisas em si, de for a que aprenderíamos unicamente pelos sentidos? Não; Kant advoga um apriorismo de nossas faculdades e há ainda que entenda que Kant colocava o mundo dentro do sujeito, de forma que espaço e tempo seriam inerentes à razão e não realidades autônomas. Eu discordo disto porque basta ler na CRP o que Kant diz sobre Berkeley, mas sim, Kant é uma espécie de pai do idealismo e Nietzsche abominaria o idealismo. Enfim, saber que ele era simpático a Lange não me diz nada ainda. Quero saber precisamente qual a linha que o faria flertar com o kantismo. Não está nada claro, nada explícito isto, e confesso minha ignorância sobre o tema. Você sabe, acadêmicos fazem de tudo com interpretações. Já teve gente querendo ligar Heidegger e Wittgenstein (ahahahah), você encontra até marxistas nietzscheanos, o que é paradoxal. Enfim, gostaria de entender isto para que não me soe como uma tremenda masturbação intelectual. Eis que há gente que o entende como neokantiano achando que desconhecer esta interpretação é prova de grande ignorância. Pois bem, sou mesmo ignorante e quero sair da ignorância. Por que Nietzsche seria um neokantiano?
Félix, obrigado por seu comentário,
Infelizmente, não “precisar em poucas linhas” o que você me pede, e por dois motivos: não acho que seja possível fazê-lo em poucas linhas e Nietzsche não é minha especialidade estrita. Mas posso fazer alguns comentários e sugestões.
A tese da aproximação de Nietzsche e Kant (e Neokantismo) não é minha e tampouco do Hill. Como você pode ver no comentário anterior, há prateleiras de biblioteca sobre o assunto. Recomento, além da excelente tese do Prof. Rogério Lopes, da UFMG, o livro de G. Stack, “Lange and Nietzsche” ou mesmo o Vaihinger (em suas obras sobre Lange e Nietzsche). Obviamente, remeto você também ao próprio livro do Hill que cito no post. Adianto que ali ele retraça não somente as leituras de Kant (e de kantianos) feitas por Nietzsche, como defende que grandes linhas de seu pensamento são devedoras mais a Kant do que a Schopenhauer.
Para além disso, vou apontar apenas aquilo que parece mais fundamental, inclusive para as minhas pesquisas. O neokantismo aparece no XIX como uma 3a via entre o retorno (impossível) à especulação idealista e a dissolução da reflexão filosófica diante das ciências naturais, seja simplesmente capitulando frente a esta, seja tornando-se tão somente uma “ciência das ciências”. O que vários trabalhos sugerem (não apenas o Hill), é que Nietzsche – como muitos outros – teria visto em Kant a possibilidade tanto de crítica ao idealismo quanto ao materialismo vulgar. Não se trata de uma adesão não-matizada à filosofia crítica (como, de fato, NENHUMA das duas escolas fez), mas vê-la como uma opção. Assim, o simples fato de que Nietzsche critique Kant em certos pontos, não o faz menos kantiano em outros (como, novamente, fizeram TODOS os Neokantianos “clássicos”). Pra além disso, sugiro que você explore por si mesmo, assim como me parece óbvio que filosofia se faz com interpretações.
Um abraço.
Gabriel, se me perguntarem sobre Nietzsche sou capaz de traçar as linhas gerais do pensamento dele em poucos parágrafos. O mesmo se aplica a diversos filósofos, o que, evidentemente, não suprirá a necessidade de leitura direta deles. O aprendizado é nulo se você não sabe condensar o que lê, fazer-se uma idéia geral. A mente funciona assim. Então você não sabe me dar uma só idéia resumida do teor neokantiano de Nietzsche? Nem você nem o Ernani Chaves? Eu tenho idéias bem claras de porque Nietzsche cairia na gargalhada lendo esta atribuição…
Pronto, já dei uma pesquisada e a coisa se apresenta muito simples. Pelo fato de Nietzsche supor heraclitianamente que nada há de estruturalmente metafísico no mundo e no conhecimento, tudo seria devir, radicalmente devir, de forma que nossa estrutura cognitiva também seria moldada pela história. Noutras palavras, o psicologismo que Husserl destruiu. Nietzsche seria mais humeano, na verdade, do que kantiano, pois, muito embora Kant tenha colocado a empiria como aquilo que nos traz o mundo exterior, condicionou a elementos apriorísticos o entendimento desta experiência e Nietzsche seria mais radical. Para ele nada há, essência alguma, mas só uma existência que tritura o homem em suas rodas severas, condicionando, pela história, nossas estruturas. Kantiano nessa abolição de uma metafísica, mas antikantiano na admissão de qualquer metafísica da razão. Enfim, ainda nem encontrei a tese do Rogério Lopes, mas já vejo no horizonte um mero exercício intelectual de meter Nietzsche no kantismo. Ele deve estar se revirando no túmulo… :-)
Felix, eu adoro gente como você que chegou agora no mundo. Vamos lá:
1) Aiai… Eu dei, no ponto 2, em 12 linhas, o teor neokantiano da posição nietzscheana. Está lá para qualquer pessoa alfabetizada em português. O assustador é que se você não consegue sequer apreender a resposta ao que perguntou no meu comentário, imagino a qualidade da super pesquisa que você fez em 15 minutos – de um comentário ao outro.
2) O seu papinho de “traçar linhas gerais” e fazer sínteses, para mim, é apenas uma daquelas velhas desculpas de quem tem preguiça de ler o que deveria. A prova disso é o “reultado” que você apresenta como a sua compreensão do problema. Você nem ao menos toca no ponto fundamental de toda a crítica neokantiana do XIX que é exatamente a negação da identidade entre ser e pensar como axioma fundamental do idealismo de Schelling e Hegel. É só porque o criticismo satisfaz essa condição que ele torna-se uma possibilidade viável entre uma mera recaída no idealismo absoluto e uma dissolução da filosofia num apêndice da psicofísica. Esse aspecto está em TODA a crítica nietzscheana da Metafísica E das ciências naturais (cf., por exemplo, “Sobre Verdade e Mentira em sentido extramoral”, ou em “A razão na filosofia”, no Crepúsculo dos Ídolos. Você insere um trecho sobre o Psicologismo que é simplesmente inútil para todo o resto da argumenetação (aliás, você podia dar uma lidinha na querela entre Husserl e Kerry pra ver como a “destruição” do(s) psicologismo(s) (porque segundo o próprio Husserl são vários, mas você, obviamente, não sabe) é tudo menos óbvia e definitiva.
3) Por fim, o seu comentário é a prova cabal e irrefutável de como se pode ser confuso em Filosofia. Em 12 linhas eu apontei para o elemento neokantiano da posição de Nietzsche. Em 20, você escreveu – com profusão de termos tolamente obscuros como “tritura (…) nas rodas severas” (que poético!) ou “supor heracliteanamente (Por Zeus!) – má literatura e péssima filosofia.
4) Que você não seja afeito aos livros, percebe-se pelo cheiro, mas que nem o Google você saiba usar, é lamentável. Ao digitar “Rogerio Lopes Nietzsche” o link para o PDF da tese é apenas o PRIMEIRO resultado. Outra alternativa para quem realmente sabe pesquisar coisas, seria ver que ele fez o doutorado na UFMG e buscar no banco de teses online da biblioteca. Mas realmente dá pra ver que pesquisar direito é mais um dos talentos que você não tem.
Ahn, bons tempos em que pelo menos os comentadores toscos sabiam usar o google…
Gabriel que feio…impedindo putros de responderem.
Felix, não há nenhum impedimento acerca da sua argumentação. O que ocorre é que, em seus últimos comentários, você simplesmente não argumenta mais. O seu principal ponto para “refutar” a relação entre Nietzsche e o Neokantismo (que não é uma tese minha, mas que conta com uma bibliografia não-desprezível. Recomendo inclusive o “The genesis of neokantianism, de Beiser, publicado o ano passado. Você verá que não tem a menor ideia do que seja neokantismo) repousa, em primeiro lugar, sobre a identificação entre Neokantismo e a filosofia de Kant, o que é um contra-senso. As duas (ou três) principais linhas do Neokantismo se caracterizam por leituras corretivas de aspectos fundamentais de Kant. Ora, dizer então que Nietzsche nada pode ter a ver com o Neokantismo porque critica Kant é, no mínimo, estúpido. Se você tiver novos argumentos e quiser conversar sobre eles, será sempre bem-vindo. De outro modo, não há o que fazer por aqui.