Por um acaso, acabei trombando com o livrinho de Clóvis de Barros Filho e Júlio Pompeu, “A Filosofia explica as grandes questões da humanidade”, publicado pela Casa do Saber/LeYa. Como uma coleção de aulas introdutórias proferidas sobre temas gerais, o livrinho está longe de ser um desastre. Mas folheando casualmente encontrei, no capítulo sobre “Identidade”, o trecho abaixo:
O excerto é parte da discussão sobre a alma como resposta possível ao problema da identidade no tempo. Como apresentam os autores, a alma, como princípio imaterial, seria indivisível e, portanto, incorruptível, apresentando-se como uma boa candidata a sede da identidade pessoal. Até aí, sem novidade. O que me chamou a atenção foram as considerações da dificuldade em sustentá-la como resposta; mais precisamente uma pequena série de “conclusões” a partir de premissas duvidosas. O que vai dito no trecho, basicamente, é que:
1. “Sendo a alma eterna e imaterial”;
2. (Justamente por isso) “encontra-se fora de qualquer abordagem racional mais esclarecedora ou explicativa”;
3. Não há nenhuma comprovação possível que nos incentive a continuar investigando”;
4. “A alma é metafísica por excelência”.
O que desabona até mesmo a boa referência ao argumento grego básico é, em primeiro lugar, derivar (2) de (1). Se os autores pensavam no Fédon, de Platão, por exemplo, por que diabos essa inferência? O pressuposto contido na passagem de (1) pra (2) é, em linhas gerais, o que é exposto em (3): comprovação (racional) é praticamente identificada com “comprovação empírica/científica” e, sendo a alma imaterial, está fora de “qualquer abordagem racional”, isto é, comprovação empírica/científica. Mas a tese que identifica essas duas é minimamente sustentável? Comprovar ou “ter prova racional” é idêntico a “prova empírica”? O domínio da abordagem empírico-científica recobre todo o domínio da atividade racional? O que fazemos então com coisas como as Matemáticas? E o que dizer da constatação (4), que sela a coisa toda? Porque a alma “encontra-se fora de qualquer abordagem racional” e – seguindo a identificação duvidosa exposta anteriormente –, portanto, é sem comprovação possível, ela pertence ao domínio da “metafísica”. Ora, como se pode ver, a metafísica é então o tratamento de coisas que encontram-se fora de qualquer abordagem racional. Assim, se “racional” ainda é identificado com “comprovação empírica”, de fato a Metafísica trata de elementos fora de tal domínio. Mas se nada sobra para a razão para além da comprovação empírica, como trabalharia essa coisa chamada “Metafísica”, que não pode, igualmente, usar a sensibilidade, tampouco a razão?
Eis aí mais uma dessas bobagenzinhas que demolem tudo.