Bento XVI e os bispos reconduzidos à casa

 

Como uma enxurrada de baboseiras estão sendo aventadas por aí, vamos a um round up, uma coletânea de notas oficiais e pronunciamentos sobre a questão da supressão da excomunhão dos bispos pertencentes à FSSP X e, sobretudo, acerca da posição da Santa Sé sobre a Shoah e sobre as declarações de Williamson.

Antes, queria come?ar dizendo o óbvio, mas que ninguém se dá ao trabalho de enxergar nesses momentos: a Igreja tem um Conselho pontifício permanente de diálogo-interreligioso. Mostrem aí nos comentários os órgãos correspondentes das outras confissões religiosas, algo como uma comissão islâmica para diálogo com os cristãos ou uma comissão budista para os mesmos fins, e que faça declarações públicas de cumprimento e felicitações aos seus interlocutores, por exemplo. Acusar a Igreja de solipsismo não é só ignorância, é maldade. Assim, é claro que o que posto aqui é só para quem quiser ser, de fato, honesto e conhecer para além das manchetes dos jornais.

 

1. Além disso, a posição oficial da Igreja sobre a relação com os não-cristãos está expressa em uma declaração do Concílio Vaticano II, a Nostra Aetate. Desafio aos críticos da Igreja neste momento a apontarem documentos oficiais de envergadura semelhante a uma declaração conciliar, que promovam de fato um diálogo com as outras religiões e na qual se possa ler:

Sendo assim tão grande o patrimônio espiritual comum aos cristãos e aos judeus, este sagrado Concílio quer fomentar e recomendar entre eles o mútuo conhecimento e estima, os quais se alcançarão sobretudo por meio dos estudos bíblicos e teológicos e com os diálogos fraternos. Ainda que as autoridades dos judeus e os seus sequazes urgiram a condenação de Cristo à morte (13) não se pode, todavia, imputar indistintamente a todos os judeus que então viviam, nem aos judeus do nosso tempo, o que na Sua Paixão se perpetrou. E embora a Igreja seja o novo Povo de Deus, nem por isso os judeus devem ser apresentados como reprovados por Deus e malditos, como se tal coisa se concluísse da Sagrada Escritura. Procurem todos, por isso, evitar que, tanto na catequese como na pregação da palavra de Deus, se ensine seja o que for que não esteja conforme com a verdade evangélica e com o espírito de Cristo.

Veja também uma lista com mais de 30 títulos de documentos e declarações oficiais da Igreja, bem como de declarações, documentos e notas de Conferências Episcopais pelo mundo, que trabalham com o diálogo e bom relacionamento com os judeus.

2. Nota de hoje da Secretaria de Estado, publicada no L’Osservatore Romano (que nenhum dos eclesioclastas se dá ao trabalho de ler), na qual se condiciona o acolhimento da Fraternidade Sacerdotal S. Pio X à aceitação dos últimos papas e do concílio Vaticano II. Especificamente, sobre as declarações de Williamson:

3. Dichiarazioni sulla Shoah
Le posizioni di monsignor Williamson sulla Shoah sono assolutamente inaccettabili e fermamente rifiutate dal Santo Padre, come Egli stesso ha rimarcato il 28 gennaio scorso quando, riferendosi a quell’efferato genocidio, ha ribadito la Sua piena e indiscutibile solidarietà con i nostri Fratelli destinatari della Prima Alleanza, e ha affermato che la memoria di quel terribile genocidio deve indurre "l’umanità a riflettere sulla imprevedibile potenza del male quando conquista il cuore dell’uomo", aggiungendo che la Shoah resta "per tutti monito contro l’oblio, contro la negazione o il riduzionismo, perché la violenza fatta contro un solo essere umano è violenza contro tutti".

Il vescovo Williamson, per una ammissione a funzioni episcopali nella Chiesa dovra anche prendere in modo assolutamente inequivocabile e pubblico le distanze dalle sue posizioni riguardanti la Shoah, non conosciute dal Santo Padre nel momento della remissione della scomunica.

Il Santo Padre chiede l’accompagnamento della preghiera di tutti i fedeli, affinché il Signore illumini il cammino della Chiesa. Cresca l’impegno dei Pastori e di tutti i fedeli a sostegno della delicata e gravosa missione del Successore dell’Apostolo Pietro quale  "custode  dell’unitá"  nella Chiesa.

 

3. Texto da audiência geral do dia 28 de Janeiro, que se intitula justamente “Shoah, admoestação contra o esquecimento”, no qual se pode ler:

Nestes dias em que recordamos o Shoah, voltam-me à memória as imagens recolhidas nas minhas várias visitas a Auschwitz, um dos lagers onde se consumiu o feroz massacre de milhões de judeus, vítimas inocentes de um cego ódio racial e religioso. Enquanto renovo com afecto a expressão da minha plena e indiscutível solidariedade para como os nossos irm?os destinatários da primeira Aliança, desejo que a memória do Shoah leve a humanidade a reflectir sobre o poder imprevisível do mal, quando conquista o coração do homem. O Shoah seja para todos uma admoestação contra o esquecimento, a negação e o reducionismo, para que a violência feita contra um só ser humano é violência contra todos. Nenhum homem é uma ilha, escreveu um famoso poeta. O Shoah ensine especialmente, quer às velhas gerações quer às novas, que somente o árduo caminho da escuta e do diálogo, do amor e do perdão leva os povos, as culturas e as religiões do mundo à almejada meta da fraternidade e da paz na verdade. A violência nunca mais humilhe a dignidade do homem!

4. Artigo do Rabino Irwin Kula, presidente do Centro Judaico Nacional para Educação e líder religioso em Nova Iorque, no Washington Post do dia 2 de fevereiro, cujo título traduzido é Reação judaica contra o papa é desproporcional, no qual se pode ler:

As an eighth generation rabbi and someone who lost much family in the Holocaust, it could just be me, but this official Jewish response seems outrageously over the top. Do millions of American Jews sufficiently care that the Pope revoked the excommunication of this unheard of bishop such that major Jewish organizations should devote so much energy and attention to this and turn it into a cause c?l?bre worthy of front page attention? And is this the way we speak to each other after decades of successful interfaith work on improving our relationship?

How is it that the view of some cranky bishop who has no power evokes calls of a crisis in Catholic – Jewish relations despite the revolutionary changes in Church teachings regarding Jews since Vatican II? Where is the "proportionality", where is the giving the benefit of the doubt – a central religious and spiritual imperative – in response to something that is admittedly upsetting but in the scheme of things is less than trivial especially given this Pope’s historic visit to Auschwitz in which he unambiguously recognized the evil perpetrated upon Jews in the Holocaust and in his way "repented" for any contribution distorted Church teachings made to create the ground for such evil to erupt.

 

5. Texto do Decreto de Remoção da Excomunhão Latae Sententiae a quatro bispos da FSSPX, que tenho certeza que quase ninguém leu, ou veria a real motivação do Santo Padre:

Sua Santidade Bento XVI paternalmente sensível à dificuldade espiritual manifestada pelos interessados, por causa da sanção de excomunhão, e confiante no compromisso por eles expresso na citada carta, de não poupar qualquer esforço para aprofundar nos necessários diáogos com as Autoridades da Santa Sé as questões ainda abertas, de forma a poder chegar depressa a uma plena e satisfatória solução do problema apresentado na origem decidiu reconsiderar a situação canônica dos Bispos Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta, derivada da sua consagração episcopal.

Com este acto, deseja-se consolidar as recíprocas relações de confiança e intensificar e dar estabilidade às relações da Fraternidade São Pio X com esta Sé Apostólica. Este dom de paz, no final das celebrações natalícias, quer ser também um sinal para promover a unidade na caridade da Igreja universal e chegar a eliminar o escândalo da divisão.

6. Por fim, em 28 de maio de 2006, o papa Bento XVI foi ao campo de concentração de Auschwitz-Birkeneau. Abaixo o vídeo de seu discurso e o texto de seu discurso proferido ali, cujas palavras iniciais pungentes só podem ser ignoradas pelos estultos eclesioclastas:

Tomar a palavra neste lugar de horror, de acúmulo de crimes contra Deus e contra o homem sem igual na história, é quase impossível e é particularmente difícil e oprimente para um cristão, para um Papa que provém da Alemanha. Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante.

 

G. Ferreira

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  • Gabriel:

    Excelente! Exemplo de idoneidade intelectual e fundamenta??o. Algo muito diverso das imbecilidades que infelizmente temos lido por a?. Lamento que esse texto n?o chegue a todos que participaram da discuss?o. Esclareceria os menos preconceituosos de forma definitiva. Parab?ns!

    Abra?os fraternos,

    Ricardo Alexandre da Silva.

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G. Ferreira

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