Escrevo este texto no dia em que o papa Bento XVI abdicará da Cátedra de Pedro, a poucas horas de sua saída. Desejo escrever algo sobre o assunto desde o dia em que ele fizera o anúncio, mas um gesto como esse não deixa a descoberto o seu sentido último nas primeiras horas ou dias. Quiçá deixa-se ver. Seguiram-se então sucessivas e intermináveis leituras, interpretações e análises sobre qual seria este significado profundo, bem como as devidas e inolvidáveis críticas. A primeira tese explicativa foi doença grave, que foi sucedida por aquela da lição na hierarquia romana, que por sua vez deu lugar à explicação a partir de dossiês tão secretos quanto perigosos acerca das crises da Igreja. Neste exato momento, os profetas da última hora devem ainda estar vociferando mais uma pletora de explicações (especialmente tendo como metáfora a Cruz: Bento XVI desce da Cruz, carrega a Cruz, abandona a Cruz et cetera).
Na maioria dos casos, o melhor que se pode dizer sobre todo esse movimento que insiste em dar respostas a perguntas que desconhece é o mesmo que disse Nietzsche acerca da revolta de Lutero contra a Igreja de Roma: é a indignação do simples, do ingênuo, contra o sofisticado e o complexo. Falha-se em ver a Igreja vitoriosa e vê-se apenas corrupção. E continua Nietzsche dizendo que em todas as questões cardeais Lutero foi míope, superficial e incauto; tal como nossos especialistas. Seria eu também igualmente incauto se pretendesse ser o mais novo proferidor da última explicação – a ser ultrapassada pela próxima edição da Verdade (porque há aqueles que crêem que a Verdade é passível de edições retificadoras).
Perguntar-se sobre o sentido último de um papa, sobretudo com as características de Bento XVI, que abdica é uma daquelas perguntas cuja importância supera em muito qualquer mérito de qualquer resposta possível. Assim como ninguém intelectualmente sério pretende esgotar o sentido da Criação ou do Sacrifício de Cristo com explicações. Isso porque o sentido profundo de coisas profundas não é algo a ser desvelado por análise, assim como ser cristão não é meramente compreender um conjunto de verdades. Assim fosse, bastaria ser instruído sobre este rol de verdades para, instantaneamente, tornar-se cristão. Mas nunca foi isso que, desde o início até hoje, a Igreja entendeu por “conversão”. Do mesmo modo, perscrutar os mínimos detalhes da vida do Papa ou de seu pontificado a fim de encontrar o sentido de seu ato é partir do pressuposto que o significado das coisas brota da mera coleção de dados. Ó, que triste miopia!
Portanto, talvez este texto seja um tanto frustrante tendo em vista que ele não quer fornecer absolutamente nenhuma explicação. Talvez a única coisa que alguém possa lucrar de sua leitura é a constatação de que se está diante de algo tão complexo, com uma miríade de significados tão ampla que só a história da Igreja – e, portanto, a história da Salvação toda inteira – em seu final certamente glorioso pode fazer ver. Ora, assim, é inevitável dizer que o sentido real de acontecimentos como este está desvelado atualmente somente a Deus, em quem Ser e Sentido simplesmente coincidem. Para além disso, nós, que só vemos como que por espelhos, retiremo-nos com o papa para a oração a fim de, novamente como diz São Paulo, experimentarmos que as tribulações do tempo presente nem se comparam com a Glória que em nós há de ser revelada. O papa que certamente vivenciou esta dinâmica e que, desde a escolha de seu lema episcopal, escolheu ser Colaborador da Verdade ao invés de simples conhecedor dela.