Vez ou outra acabo parando em sites e blog de ateus convictos. Em todas essas oportunidades, leio com atenção o que eles têm a dizer. E na imensa maioria das vezes o que encontro são sempre os mesmos clichês pseudo-intelectuais. Hábito este (o de desfilar clichês falaciosos), que os ateus adoram reprovar nos crentes. Dentre eles, um dos que mais me incomoda, pelo tamanho da falácia, é aquele que prega que responder afirmativamente a questão da existência de Deus é um ato necessariamente advindo de alguém irracional ou, no mínimo, alguém em quem a Razão já deixou de operar. Em suma, a posição atéia é a única legitimamente racional. Vai daí que os ateus seriam também o último abrigo da racionalidade.
De início, é realmente triste notar que se está pouco disposto a entabular discussões realmente sérias sobre aquela questão. Em parte porque a maioria do que vejo por aí se contenta na retaliaçã desvairada de interlocutores cheios de boa-fé mas, de fato, despreparados. Pode se coletar pelos sites e blogs ateus uma multidão de xingamentos e falácias que têm como objetivo único ganhar a discussão e, não necessariamente, explicitar ou refutar. Isso se deve também ao fato de que a imensa maioria dos ateus que leio por aí têm, eles mesmos, uma formação e um preparo duvidoso para lidar com tais questões. A bibliografia utilizada em geral, não deixa dúvidas: Dawkins, Hitchens e similares. Jamais chegaram perto nem de algo como The Cambridge Companion to Atheism, que tem seríssimos contribuidores (e que “magicamente” não conta com Dawkins e Hitchens) ou mesmo de ivros básicos sobre filosofia da religião. Estudar a fundo os argumentos filosóficos históricos então é pedir quase um milagre (ops!). No máximo replicam os comentários estúpidos feitos por gente que também nunca os estudou a fundo. Nietzsche, Feuerbach e Marx se tornam, na mão deles, um infinito depósito de citações virulentas. Prefiro nem comentar sobre Darwin.
Junte-se a isso que os blogueiros ateus em sua imensa maioria não conhece absolutamente nada sobre teologia(s). Aqui reaparece o fascínio pelos clichês históricos (a Igreja vendia lugar no céu), teológicos (Se Deus é onipotente, por que ele não….) e sociológicos (a maioria dos crentes é proveniente de camadas com pouco estudo etc…) que nem de longe acomete os pensadores sérios sobre o assunto: mesmo o problema da teodicéia é ignorado em suas linhas mais fundas. Vê-se que o quadro geral não é bom para elevar a discussão sobre o tema.
Falta retomar a questão da relaçã entre ateísmo e razão. A questão é muito longa e não quero desenrolá-la toda. Só quero tocar num ponto que julgo principal. Dizer que falta racionalidade à posição que afirma Deus é, tão simplesmente, uma tolice:
1. Filosófica. Seja qual for a definição de Razão a ser adotada, não se pode furtar àquela grega de lógos que, diferentemente do que dizem professores de primário, não quer dizer simplesmente estudo. Lógos é discurso racionalmente encadeado, compreensível racionalmente e obviamente se relaciona com “argumento”. Com isso, dizer que qualquer discurso gramaticalmente encadeado, que se pode entender por qualquer ente racional é privado de razão, é idiota. Existem discursos racionais que são falaciosos, errados, tendenciosos etc. Mas nem Aristóteles concordaria que os argumentos sofísticos falaciosos, por exemplo, carecem da presença de ação do lógos. Pode ser um lógos ruim, mas ainda assim é um lógos. Dizer que falta razão à argumentos como as cinco vias de S. Tomás ou ao argumento anselmiano ou ontológico é, no mínimo, ignorância. A própria grafia de razão com “R” maiúsculo já denota uma opção por uma tal concepção de racionalidade que não é unívoca tampouco incriticável.
2. Histórica. Alguém em sã consciência pode defender a tese de que gente como São Tomás, Descartes, Hegel e tantos outros são irracionais ou não fazem uso da razão? Chega a ser maldade desconhecer, ainda que historicamente, a presença de um esforço racional e válido para provar a existência de Deus. Dizer que a priori aqueles que defendem a existência de Deus não pensam ou são irracionais tão somente pelo fato de defenderem tal tese é de uma estupidez violenta.
? gente hist?rica que sofreu um atentado terrorista e amendrotada, busca algu?m pra culpar. ? o que eu penso pelo menos.
Os caras que explodiram as torres eram realmente religiosos, o presidente que mandou as pessoas lutarem uma guerra in?til no Iraque era realmente religioso, logo, oras bolas, a religi?o deve ser um mal!
E a? j? conseguida a conclus?o por meio de algum preconceito qualquer, vamos que vamos procurar que raz?es a comprovam.
Vale notar que esse povo do Dawkins ? o mesmo que critica tamb?m Nietzsche e Rorty. O que eles querem, de fato, ? definir uma Raz?o com letra mai?scula em que racional seja apenas ci?ncia emp?rica.
In?til dizer que ? um projeto que j? tem s?culos de idade, o que demonstra o porque eles brigam com fil?sofos medievais, fingindo que o iluminismo n?o existiu. Eles ignoram os problemas que o projeto passou. O objetivo deles n?o ? a verdade, ? um projeto pol?tico de dizer que os caras que explodiram as torres s?o irracionais e que os caras que votaram em um presidente que eles n?o gostam s?o irracionais.
O mesmo pode ser dito dos creacionistas que tentam formular um modelo de raz?o baseado no seu projeto pol?tico de ensinar sua vers?o particular da ?tica crist? na aula de biologia.
Por fim, ? uma coisa est?pida mesmo; quando questionamos “o que ? o conhecimento?” criticando a ci?ncia n?o queremos com isso fechar os hospitais e os centros de pesquisa e cair em um ultra-ceticismo niilista e da? abrir pelas portas do fundo um “portanto h? a apenas a f?”.
Quem faz isso ? s? um tipo de niilista que substitui o nada por uma mitologia praticamente vazia.
N?o ? o nada, mas ? algo suficientemente pr?ximo.
Quando criticamos a ci?ncia perguntando sobre o conhecimento, n?s apenas queremos, oras bolas, saber a verdade acerca daquilo que entendemos como “conhecimento” e se no processo frustramos seu projeto pol?tico de chamar de irracionais essa gente carola que vota nos presidentes que voc? n?o gosta, ent?o eu sinto muito.
“Sblargh”, s? posso assinar embaixo.
Abra?os.
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Olá Gabriel,
post publicado aqui: http://teismo.net/?p=588
Abraços
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