Li hoje, no excelente site da Chiesa, a notícia sobre a querela entre os irmãos Boff, Leonardo e Clodovis acerca de um recente artigo deste último. Clodovis, em texto publicado no volume de outrubro último na Revista Eclesi?stica Brasileira (leia na íntegra aqui e volte depois para ler o resto) aponta o que chama de “questionamento de fundo” acerca dos fundamentos da Teologia da Libertação. Sua crítica se dirige, principalmente, ao que denomina, um tanto imprecisamente, “ambiguidade epistemológica”. Alguns comentários:
1. O ponto no qual Clodovis toca é nevrálgico. Por “ambiguidade epistemológica” o teólogo levanta um questionamento sobre uma suposta indecisão entre o pobre como princípio e o Cristo como princípio.
2. Entretanto C. Boff foi por demais eufêmico. Se o ponto de vista é o da práxis da TdL nos seus 40 anos de caminhada, Clodovis há de convir que não há nenhuma flutuação no que diz respeito aos fundamentos. O viés adotado, por exemplo, por Jon Sobrino é explicitamente o do pobre, não como lugar ou categoria teológica, mas como prisma através do qual mesmo o mistério salvífico do Cristo deve ser visto. Ou não é isso o que sentenças como as de Jon Sobrino, em seu Jesucristo liberador, querem dizer: “Los pobres cuestionan dentro de la comunidad la fe cristológica y le ofrecen su dirección fundamental”? (p. 50) ou ainda “El lugar social, es pues, el más decisivo para la fe, el más decisivo para configurar el modo de pensar cristológico y el que exige y facilita la ruptura epistemológica”? (p. 52).
O que verdadeiramente há não é uma indecisão de princípio mas, de fato, uma decisão enganosa. E a “consequência” óbvia é que há décadas vimos colhendo os frutos de tal erro. Neste aspecto o artigo de Clodovis Boff não tem nada de genial. Ele inclusive demora a se dar conta daquilo que, desde sempre, constitui o cerne das críticas feitas à TdL.
3. Trechos como os seguintes mostram os desdobramentos necessários do problemas acima apontado:
Que o pobre seja um princípio da teologia ou uma perspectiva (ética ou enfoque), é possível, legítimo e mesmo oportuno. Mas apenas como princípio segundo, como prioridade relativa. Se assim é, a teologia que arranca daí, como é a TdL, só pode ser um “discurso de segunda ordem”, que supõe em sua base uma “teologia primeira”.
e ainda
No plano eclesial. A “pastoral da libertação” se torna um braço a mais do “movimento popular”. A Igreja se “onguiza”.
Novamente, o autor só faz reverberar aquilo que há muito já é sabido. Entretanto, a síntese genial é feita não por C. Boff mas alguns anos antes, por von Balthasar em seu The office of Peter.., que agudamente notou que tal engano de princípio faz com que o cristianismo seja reduzido a uma certa práxis como se não constituísse, na realidade, na fé em determinadas coisas.
4. Clodovis Boff vê as coisas, no que diz respeito ao Documento de Aparecida, de uma maneira um tanto ingênua (para concordar em o menos um ponto da crítica de Leonardo). Não quero aqui traçar uma análise no que tange o texto dos bispos. Mas cumpre lembrar que o autor mesmo aponta sem ver a equivocidade dos princípios no tal documento:
E mesmo quando a V Confer?ncia parte dos pobres, seguindo o método “ver, julgar e agir”, faz isso apenas materialmente (para contentamento dos TdL), pois formalmente parte sempre, antes ainda, de Cristo.
A distinção entre “formal” e “material” não dá conta da ambiguidade presente nos pressupostos do bispos do Congresso de Aparecida. Há ainda não pequenos resquícios da TdL na CNBB que, de fato, carrega para a redação do Documento a mesma opção errada pelo fundamento segundo.
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